Pensão De Sobrevivência e a União De Facto

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Marisa SIMÕES

A morte de um familiar é um acontecimento emocionalmente difícil de ultrapassar e que, por vezes, pode colocar os familiares sobrevivos numa situação financeira desfavorecida. Por esse motivo, e de forma a evitar consequências nefastas derivadas da perda de um pilar de sustento da família, é conferido, nestes casos, o direito a determinados apoios por parte da Segurança Social: É o caso da Pensão de Sobrevivência.

 

Esta pensão traduz-se numa prestação mensal, cujo montante é determinado em função da pensão de reforma que o falecido teria direito à data do óbito, sendo apenas atribuída se o beneficiário falecido tiver preenchido o prazo de garantia de:

  • 36 meses de contribuições para o Regime Geral de Segurança Social;

ou

  •  72 meses de contribuições para o Regime do Seguro Social Voluntário.

Esta pensão poderá ser atribuída aos seguintes familiares:

Cônjuge – No caso de não haver filhos do casamento, o cônjuge sobrevivo apenas terá direito a esta pensão se tiver casado com o beneficiário há pelo menos 1 ano antes da data do seu falecimento, salvo nos casos em que a morte resulte de acidente ou de doença contraída ou manifestada depois do casamento;

 

Ex-cônjuges - só têm direito à pensão se, à data da morte do beneficiário, dele recebessem pensão de alimentos, ou no caso desta não lhe ter sido atribuída devido à falta de capacidade económica do falecido, devendo esta ser judicialmente reconhecida.

 

Pessoa em união de facto - Pessoa que à data do falecimento do beneficiário, vivia com este há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges.

 

Descendentes – incluem-se aqui os nascituros, os adotados plenamente e os enteados em relação aos quais o beneficiário falecido estivesse obrigado a prestar alimentos, nos termos expressamente previstos. No caso de descendentes além do 1.º grau estes só têm direito à pensão se estiverem a cargo do beneficiário falecido à data da sua morte.

 

Ascendentes – se à data do falecimento do beneficiário estivessem a cargo do beneficiário falecido e não existirem cônjuge, ex-cônjuge e descendentes com direito à pensão.

 

Resulta do exposto que, nos casos da União de Facto, o membro sobrevivo da união terá direito à Pensão de Sobrevivência, caso esta dure há mais de dois anos. Esta vivência em união de facto exige uma comunhão de vida que crie uma aparência de vida matrimonial. Mas este requisito que, à primeira vista pode parecer simples, nem sempre será fácil de provar, pois afinal, como se demonstra a comunhão de vida? Bastará provar que o casal vivia na mesma casa?

 

Recentemente, o Supremo Tribunal Administrativo pronunciou acórdão sobre este tema (disponível em dgsi, Acórdão de 10 Março 2022, Processo n.º 090/15.1BECBR).

 

No caso dos autos, e em suma, discutia-se o direito de “B” a uma Pensão de Sobrevivência pela morte do pai dos Autores (os “AA”), alegando esta que vivia em União de Facto com aquele. 

 

Após o falecimento do pai dos “AA.”, “B” requereu junto da Caixa Geral De Aposentações, IP (CGA), uma pensão de sobrevivência alegando, para tal, que vivia em União de Facto como aquele. Inconformados com o deferimento deste pedido, os “AA.” Intentarão ação administrativa para impugnação do acto que concedeu tal pensão a “B”. 

 

Ora, de acordo com a decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Norte, “Em face das considerações que antecedem, não subsiste nenhuma dúvida em como competia às Rés alegar e provar que a contrainteressada vivia em união de facto com o falecido pai dos autores há mais de dois anos à data do seu falecimento." e que “...O facto de se ter demonstrado que o falecido pai dos autores viveu na mesma casa com a contrainteressada e que por vezes eram vistos a fazer compras juntos, não prova que vivessem em comunhão de mesa, cama e habitação, ou seja, como se de marido e mulher se tratasse.” (Negrito e sublinhado nosso).

 

Importa aqui atender ao princípio geral de distribuição do ónus da prova, que se encontra previsto no Art.º 342.º, do Código Civil, e do qual resulta, do seu n.º 1, que "àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado", cabendo àquele contra quem a invocação é feita a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito (n.º 2), entendendo-se que, em caso de dúvida, os factos devem ser considerados constitutivos do direito (n.º 3).

 

Numa relação de comunhão de mesa, leito e habitação é muito mais do que provar que ambos viviam debaixo do mesmo teto e que eram vistos a fazer compras juntos. Importava, para o caso, que tivesse sido provado que “B” tinha uma relação amorosa com o falecido, que partilhavam a mesma cama como se fossem marido e mulher, que viviam na mesma habitação em comunhão de vida. 

 

Assim, entendeu o Supremo Tribunal Administrativo que “No acervo dos factos provados não identificamos factos demonstrativos duma união de facto entre a contrainteressada e o falecido. Note-se que nada se provou sobre a partilha de vida entre ambos, se passavam os dias festivos juntos, se dormiam na mesma cama, se faziam as refeições juntos e se partilhavam as despesas, sequer se provou que viviam regularmente juntos." (Negrito nosso).

 

“B” apenas logrou provar que, à data do aludido falecimento e antes do seu internamento hospitalar por motivo de doença, o pai dos “AA.” partilhava residência com a “B”, tendo sido esta quem cuidou dele durante a doença e quem suportou as despesas do funeral.  

 

  • Não foi possível apurar o período de tempo pelo qual perdurou essa partilha;
  • Nada foi provado suscetível de demonstrar que entre eles se estabeleceu uma comunhão de vida análoga à dos cônjuges;
  • Mesmo tendo sido junto aos autos prova documental (atestado passado pelo Presidente da Junta de Freguesia) este não fez prova plena da existência da referida situação de união de facto;

 

Assim, dado que, na ação, os “AA”. se limitaram a deduzir uma "defesa por impugnação", contradizendo os factos invocados pela CGA como constitutivos da sua posição, entendeu o Tribunal que, considerando a posição em que as partes se encontram colocadas no plano substantivo, terá sido a CGA, quem não teve "fundadas dúvidas" sobre a existência da união de facto, e a contrainteressada, “B”, que a alegou, quem ocupam a posição processual de “autores”, pelo que, seria sobre elas que recaia o ónus de a provar tal união, como facto constitutivo do seu direito.

 

Nestes termos, e uma vez que não se provou que, à data do óbito do pai dos “AA.”, este vivia, desde há mais de dois anos, em união de facto com a contra-interessada, o acórdão recorrido não merece a censura que lhes é dirigida pelas recorrentes, devendo, por isso, ser confirmado.

 

 Pelo exposto, além de não se saber o período de tempo pelo qual perdurou a partilha de residência, nada foi provado suscetível de demonstrar que entre “B” e o falecido pai dos “AA.” se estabeleceu uma comunhão de vida análoga à dos cônjuges. Assim, foi negado provimento ao recurso de revistas, confirmando-se o acórdão recorrido.

 

*Esta publicação tem um caracter meramente informativo, sendo que o seu conteúdo, não constitui uma solução para situações concretas. Será sempre necessário recorrer a um aconselhamento jurídico junto de Advogado.

 

Dra. Marisa Simões & Dra. Sara Passos


Marisa SIMÕES